Publicado em 17 de setembro de 2025
A Década da Ação já passou da metade e o mundo segue atrasado para cumprir os ODS: apenas 15% das metas estão no caminho certo, enquanto desigualdades, crises climáticas e retrocessos sociais expõem a urgência de transformar de verdade a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos.
Escrito por Rafael David – rafael@somosumce.com.br
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17 de setembro de 2025
Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou um chamado ambicioso: transformar o mundo até 2030 por meio de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Era o início da Agenda 2030 — um pacto global para erradicar a pobreza, combater a desigualdade, enfrentar a crise climática, promover a paz e garantir dignidade a todas as pessoas. Mas os anos foram passando, e os avanços não acompanharam a gravidade dos desafios. Em 2020, a ONU acendeu o alerta e decretou o início da Década da Ação, um movimento global para acelerar, de forma concreta, a implementação dos ODS.
Hoje, já passamos da metade dessa década decisiva. E a verdade é dura: estamos muito atrasados. Segundo o relatório mais recente da própria ONU, apenas 15% das metas estão no caminho certo. Quase metade delas avançam de forma lenta ou estão seriamente fora do curso. E outras 37% simplesmente estagnaram ou regrediram. A pandemia de COVID-19, as crises econômicas, os conflitos armados e o agravamento das emergências climáticas não apenas frearam o progresso — em muitos casos, empurraram o mundo para trás.
Não é que faltem soluções. Elas existem — e estão sendo testadas nos territórios, por comunidades, movimentos, coletivos, redes e lideranças que resistem e constroem alternativas. O que falta é vontade política, compromisso de longo prazo e coragem para mudar estruturas que sustentam as desigualdades. A Agenda 2030 não se alcança com pequenas melhorias. Exige transformações sistêmicas: nos modelos de produção, na forma de consumo, na lógica econômica e nos critérios que definem o que é desenvolvimento.
Nos últimos anos, vimos um aumento no número de governos e empresas que adotaram o vocabulário da sustentabilidade. Princípios ESG se tornaram populares. Planos estratégicos começaram a citar os ODS. Mas é preciso fazer um alerta: nem todo discurso vem acompanhado de ação real. O chamado “greenwashing”, quando uma organização finge compromisso ambiental ou social apenas para melhorar sua imagem, ainda é muito comum. A Década da Ação precisa ser o tempo do “menos marketing, mais verdade”. Sem metas claras, transparência, prestação de contas e participação social, qualquer promessa se torna vazia.
A ONU propõe que o avanço da Agenda 2030 aconteça em três frentes: ação global, ação local e ação das pessoas. Isso significa, ao mesmo tempo, fortalecer os pactos multilaterais entre países, implementar políticas públicas nos territórios e engajar a população em práticas e escolhas conscientes. Mas esses três níveis só funcionam se estiverem conectados. Um município só pode avançar se houver recursos, políticas e autonomia. E nenhuma mudança individual será suficiente se os sistemas seguirem injustos. Ações pessoais são importantes, mas não se muda o mundo trocando o canudo de plástico se seguimos financiando petróleo e desmatamento.
Um dos grandes gargalos dessa transformação é o financiamento. A ONU estima que o mundo precisaria investir entre US$ 5 e 7 trilhões por ano para alcançar os ODS. Esse dinheiro existe, mas está mal distribuído. Ainda gastamos mais com subsídios a combustíveis fósseis do que com educação ou saúde. O sistema financeiro global segue favorecendo países ricos e penalizando economias do Sul Global. Falar em transição justa passa por democratizar o acesso a crédito, garantir investimento em infraestrutura sustentável e repensar as regras do jogo econômico.
Também é urgente reconhecer que vivemos uma convergência de crises: climática, alimentar, sanitária, econômica e social. E elas estão todas interligadas. A seca afeta a produção de alimentos, que afeta o preço da comida, que impacta a saúde, que pressiona o sistema público. Tratar essas crises de forma isolada é ineficiente. A Década da Ação só será efetiva se as soluções forem pensadas de forma integrada, transversal e baseada em justiça.
O Brasil, apesar de todos os seus desafios, é um campo fértil de soluções. Há experiências potentes em andamento: redes de agroecologia que unem geração de renda com segurança alimentar; cooperativas de catadores de recicláveis que promovem inclusão econômica e cuidado com o meio ambiente; lideranças indígenas que regeneram florestas e protegem nascentes; iniciativas comunitárias que levam educação, tecnologia e saúde a quem mais precisa. Esses projetos mostram que é possível fazer diferente. Mas eles ainda operam na margem. Para que sejam replicados em larga escala, precisam de financiamento, políticas públicas, e principalmente, de reconhecimento como protagonistas da mudança, e não apenas como histórias de exceção.
É nesse ponto que surge a necessidade de redefinir o que entendemos por desenvolvimento. O velho modelo, baseado apenas no crescimento do PIB, já não responde aos desafios do século XXI. Crescer a qualquer custo pode significar mais desigualdade, mais degradação ambiental e mais exclusão. Precisamos de indicadores que falem de bem-estar, qualidade de vida, acesso a direitos e saúde do planeta. Desenvolver não é acumular riquezas, mas garantir que todas as pessoas vivam com dignidade.
E quem deve estar no centro desse processo? As juventudes, as mulheres, os povos indígenas, as comunidades negras e periféricas, as pessoas que historicamente foram deixadas de fora da tomada de decisão, mas que estão à frente das soluções mais criativas, resilientes e eficazes. A Década da Ação só será real se for construída com essas vozes, se for territorializada, descentralizada e enraizada em quem vive as urgências na pele.
2025 é um ponto de virada. Faltam apenas cinco anos para 2030. Não há mais tempo para adiar o que precisa ser feito. Os próximos meses devem ser usados para fazer escolhas ousadas: abandonar combustíveis fósseis, priorizar investimentos sociais, criar políticas de cuidado, democratizar o acesso à terra, garantir equidade de gênero, proteger biomas e ouvir quem nunca foi escutado. O custo de não agir será medido em vidas, em colapsos ambientais e em oportunidades perdidas.
A Década da Ação não é uma campanha de comunicação. É um chamado ético e político para mudar as estruturas que sustentam as crises. É sobre garantir que o futuro seja possível e que ele chegue para todos, não só para alguns.