Publicado em 05 de maio de 2025
A filantropia tornou-se estratégica, unindo-se ao blended finance para impulsionar soluções sustentáveis e promover um desenvolvimento mais justo e inclusivo.
Escrito por Rafael David – rafael@somosumce.com.br
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06 de Maio de 2025
Filantropia é uma palavra antiga, que tem origem na junção dos termos gregos philos (amor) e anthropos (ser humano). Seu significado literal é “amor pela humanidade”, e essa essência permanece viva, ainda que a prática tenha se transformado ao longo dos séculos. Tradicionalmente, o conceito passou a ser associado a ações realizadas em favor do bem comum, muitas vezes por meio de doações ou trabalhos voluntários. No entanto, a diferença central entre caridade e filantropia está na intenção: enquanto a caridade busca aliviar o sofrimento imediato, a filantropia propõe enfrentar e resolver as causas estruturais desse sofrimento.
Por isso, a filantropia, historicamente, foi associada a indivíduos e corporações com grande poder financeiro. Bill Gates, por exemplo, é um dos filantropos mais conhecidos da atualidade, tendo destinado mais de 50 bilhões de dólares à Fundação Bill e Melinda Gates. No Brasil, nomes como Guilherme Leal (Natura), Neca Setubal (Itaú) e Elie Horn (Cyrela) também têm desempenhado um papel relevante, ao financiar causas sociais por meio de organizações próprias e iniciativas como o Giving Pledge — compromisso de doar pelo menos metade da fortuna em vida.
A filantropia, contudo, não está restrita a ações individuais. Muitas empresas têm adotado posturas filantrópicas, especialmente em momentos de crise. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, o Banco Itaú doou R$ 1 bilhão para apoiar ações emergenciais. No entanto, a filantropia corporativa nem sempre tem motivações exclusivamente humanitárias: muitas vezes, as doações se alinham a interesses estratégicos da empresa, buscando fortalecer sua imagem institucional ou seu relacionamento com determinados públicos.
Ela se baseia em dados, evidências, planejamento e parcerias para gerar impactos duradouros e atacar as raízes dos problemas sociais. A filantropia estratégica não apenas doa: ela investe em mudanças estruturais, fomenta o fortalecimento de comunidades e prioriza soluções sustentáveis. Em vez de atuar sozinha, ela articula governos, empresas e sociedade civil para ampliar resultados e reduzir desigualdades.
Apesar de seu crescimento, a filantropia estratégica ainda enfrenta desafios relevantes. Muitas iniciativas continuam pautadas por lógicas fragmentadas de financiamento e métricas quantitativas que nem sempre refletem a realidade das comunidades beneficiadas. Para ser eficaz, ela precisa ir além de projetos pontuais: deve apoiar ecossistemas e redes que promovam autonomia, gerar impacto sistêmico e valorizar a participação ativa das populações envolvidas.
Neste contexto, entra em cena um conceito complementar e essencial: o blended finance, ou financiamento misto. Essa abordagem combina diferentes tipos de capital — público, privado e filantrópico — para viabilizar investimentos em áreas de alto impacto social ou ambiental, que dificilmente seriam financiadas apenas por mecanismos tradicionais de mercado. O capital filantrópico, nesse modelo, assume o papel de mitigador de riscos, viabilizando a entrada de investidores privados ao reduzir as incertezas financeiras de projetos de impacto. Trata-se de uma ponte poderosa entre a lógica do lucro e o compromisso com o bem comum, permitindo que soluções inovadoras ganhem escala.
Essas economias compartilham o compromisso com a sustentabilidade ambiental, justiça social e inclusão econômica. A filantropia estratégica, quando aliada ao financiamento híbrido, se torna um catalisador do florescimento desses novos paradigmas. Áreas como educação, saúde, meio ambiente, cultura, habitação e empreendedorismo social são diretamente beneficiadas por esse modelo, especialmente quando combinam conhecimento local, protagonismo comunitário e visão de longo prazo.
Para consolidar essa transição, é essencial que os atores da filantropia — sejam indivíduos, fundações ou empresas — adotem posturas mais colaborativas, transparentes e abertas à escuta das comunidades. A filantropia precisa sair do pedestal e caminhar ao lado dos territórios que busca transformar. Isso significa mapear necessidades reais, apostar em soluções inovadoras, medir impactos de forma qualificada e, sobretudo, entender que o investimento social é também um investimento no futuro da economia e da democracia.
Em tempos de múltiplas crises — sociais, ambientais, econômicas e políticas — a filantropia estratégica, articulada ao blended finance, se revela uma ferramenta potente para redesenhar o modelo de desenvolvimento vigente. Trata-se de uma oportunidade única de alocar capital com inteligência e propósito, promovendo transformações estruturais e duradouras. Se quisermos construir uma economia mais justa e sustentável, é fundamental que o amor pela humanidade, que dá origem à filantropia, se traduza em ações estratégicas, corajosas e transformadoras.
Para que a filantropia e o investimento social privado (ISP) atuem, de fato, como motores de transformação social, é preciso mais do que repassar recursos. É fundamental desconcentrar poder, compartilhar conhecimento e distribuir riquezas de forma mais equitativa.
Esse é o chamado do 13º Congresso GIFE, que acontece de 7 a 9 de maio, em Fortaleza. O evento reunirá especialistas, lideranças e organizações de todo o país para refletir sobre os caminhos do setor e debater soluções concretas para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável.
Quem decide o futuro do ISP e da filantropia? Quem acessa os recursos, define prioridades e propõe as soluções? Essas são perguntas centrais que guiarão as discussões ao longo do congresso, com foco no fortalecimento das organizações da sociedade civil, na promoção da equidade de gênero e raça e no enfrentamento das desigualdades estruturais.
O momento é de ação, escuta e coragem para reinventar as práticas do setor.